O Brasil de Moacir

O Brasil de Moacir


O Romantismo, movimento literário marcado pelo sentimentalismo exacerbado, pela busca por identidade pátria e marcante nacionalismo, teve início no Brasil em 1836. Considerando que o nosso país se torna oficialmente uma pátria independente pouco antes, em 1822, podemos então entender que ele nasce romântico.
Em José de Alencar, romancista destacado desse período, a protagonista indígena Iracema, tal qual uma figura cristã, sacrifica sua vida pelo nascimento de Moacir, o filho do sofrimento, como designa seu nome em Tupi. Moacir é filho de uma guaraciaba com um português, Martin, o guerreiro do mar, que por aqui chegou para desbravar, e acabou foi por dizimar toda a família da simpática moça virgem dos lábios de mel.
Curioso é pensar que Iracema é chamada de virgem porque assim deveria permanecer, já que era filha do pajé de sua tribo, o Araquém, e em sua cultura deveria dedicar seu corpo somente a Tupã, divindade máxima de seu povo. Aconteceu, no entanto, que ela engravidou do desbravador e assim condenou os seus, justamente por aquele que foi tratado como herói e salvador quando chegou, o branco.
Sobreviveu dessa história o filho do sofrimento de Iracema (anagrama de América), o Moacir, que, sendo o primeiro cearense nascido em nossas terras (pelo entendimento da narrativa), ainda no berço emigrou da terra da pátria, foi embora para Portugal levado pelo pai, o mesmo que matou toda sua família. Lá Moacir, descendente indígena, foi criado na cultura do colonizador.
Dado esse enredo, é interessante pensar que nessa obra-prima de nossa literatura, publicada em 1865, Alencar deixa registrado um questionamento em plena narrativa, que se origina dessa falta de vínculo a que Moacir estará fadado desde o nascimento em relação a sua terra Natal. Quando ele vai embora, levado pelo pai, o autor de questiona: "Havia aí a predestinação de uma nova raça?".
É mestre Alencar, anos passados, receio que a resposta seja "sim". E ela se pode comprovar, por exemplo, com o advento das Olimpíadas de Tóquio 2020, que agora ocorre em 2021 devido a uma pandemia em que não precisamos de um algoz para nos dizimar, quase o fizemos nós mesmos com nossa desinformação e falta de empatia. No entanto, sobrevivemos e fomos aos jogos. E assim percebo nossa síndrome de Moacir.
Diariamente percebo a comunidade brasileira torcer pelos seus atletas desde suas casas, confortáveis em seus aposentos criticando um desempenho que nesse ano é melhor que os anteriores, é verdade, mas que todos sabemos, é ainda pífio. Diariamente ouço pessoas que, sentadas em seus confortáveis sofás discursam que é preciso maior investimento. Que bonito é ver que existe tanta preocupação. Mas o que acontece na prática?
Na prática estamos mais nessa narrativa alencariana para Poti, o indígena que, ainda que sem notar, trai seu povo para ajudar o colonizador a explorar e dominar sua terra. Até chorar pela estátua queimada de Borba Gato já fizemos esse ano por aqui.
O jornalismo cotidiano transmite aquilo que o povo gosta de ver, ler e ouvir. História de sofrimento, superação e luta para vencer em um lugar que deveria estar é apoiando. Não há investimento e nós fazemos o quê? Romantizamos o sofrimento de um atleta que, apesar de treinar em um terreno baldio, ficou em 4° lugar nas Olimpíadas, e em um esporte que estamos longe de conhecer ou entender, o arremesso de peso. O choro de Darlan na verdade o aliviava de um peso maior: a certeza de que viria pela frente outros tantos anos de sofrimento, falta de patrocínio, falta de apoio para, quem sabe, conseguir seguir vivendo do que sonha, o Esporte.
Viver de esportes no Brasil é ter certeza de sofrimento. Apesar de sermos um dos maiores e mais ricos países do mundo, o abismo da desigualdade social é de fato o que mais explica nosso desempenho olímpico. Penso... e se a maravilhosa Fadinha do Skate não conseguir se classificar para as Olimpíadas de Paris em 2024? Estará ela fadada a ser uma desempregada aos 16 anos, depois de ser heroína aos 13? O que faremos, enquanto patriotas que somos (a cada 4 anos), caso ela fique sem patrocínio de empresas privadas, já que essas evidentemente visam somente lucrar com o sucesso da menina?
Parece que o sábio Criolo entendeu isso um pouco antes que muitos de nós, pois o Brasil e todos nós precisamos lembrar que "não precisa sofrer pra saber o que é melhor pra você.".

 

 

Mário Afonso Pontieri é Radialista, professor de Literatura e mais apaixonado pelo Esporte do que pelo sofrimento.

Categoria:Crônicas

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Gustavo Fecchio Martins - 16/08/2021 16h02
Mais um desconfortável "baque reflexivo" vindo de meu ex professor e inspiração (não estou puxando saco, sei que não liga para isso). E pensar que refleti sobre o mesmo exemplo: o do Darlan. O investimento no esporte (e em tantos outros setores) é lastimável e concordo com o autor deste artigo: só falarmos não adianta em nada e daqui 4 anos a realidade pode até ser outra se por ventura os atletas não tiverem desempenho "desejável"
Flavia Vitorio dos Santos - 09/08/2021 09h38
Parabéns Marião! Que maravilha de questionamento! Quem somos nós nesse enredo chamado Brasil?