7 (a 1) de setembro

7 (a 1) de setembro

Dia 7 de setembro é uma data especial para o Brasil, trata-se da comemoração da Independência de um país que sofreu durante 322 anos um doloroso processo de colonização portuguesa. Quem gritou nossa libertação foi curiosamente um português, filho do rei do país que nos acorrentava, tristes curiosidades de uma pátria que cobra entrega cega de seu povo que com ela, no entanto, não se identifica.

Poderia esse autor navegar pelas entranhas históricas e literárias de nosso passado para tentar entender essa falta de vínculo entre pátria e nação, caminho esse que tantos por aqui trilharam e estudaram com sucesso e sofreguidão, mas prefiro utilizar-me de mais um triste evento, esse mais recente que o grito de Dom Pedro I às margens do Rio Ipiranga, para discorrer sobre o tema proposto.

O número 7, que marca a data acima mencionada, não traz boas memórias a quem aprecia ou simplesmente acompanha um pouco do futebol aqui no Brasil. Paixão nacional, esse esporte bretão permitiu que nosso povo se alçasse a um patamar de respeito e reconhecimento mundial, realidade que infelizmente é pouco recorrente a nós brasileiros. Fato é que muito desse respeito acabou por se tornar deboche após um vexatório 7 a 1 sofrido no estádio Mineirão durante a Copa do Mundo realizada aqui em nosso país em 2014.

Muito se engana o leitor ou leitora que agora pensa que serei eu aqui aquele que entrará no coro dos envergonhados que condenam a desorganização tática de nossa seleção naquele fatídico episódio, ou então que choram a lesão de Neymar dias antes da partida derradeira, ou que reprovam o choro lamentoso de David Luiz, zagueiro que para muitos deveria ali fazer o papel de “durão”.

Para mim, o vexame não se trata de qualquer um desses eventos. Para mim, que assistia à partida de minha casa naquele fim de tarde de uma terça feira, a vergonha veio do som que minha televisão emitia, vindo das arquibancadas do estádio. Compatriotas dos jogadores que sofriam e choravam em campo, vestidos com suas camisetas canarinho como os que estavam no gramado, os brasileiros vaiavam e riam dos atletas cabisbaixos em campo. Pensei no brado retumbante do povo heroico que canta o hino desse país, que me parecia naquele momento absolutamente indigno.

Então, pego com espanto com as notícias desse último 7 de setembro politizado que vivemos em 2021, observando pessoas que, com essa mesma camiseta de outrora cobrava patriotismo dos que pensam ideologicamente diferente dos que saíram às ruas, refleti sobre: o que pensa ou entende o brasileiro sobre a pátria, sobre patriotismo, sobre união nacional?

Claramente, por aqui torcemos muito mais pela vitória do que pela seleção em si. Uma derrota acachapante nos faz rir de nossos compatriotas ao invés de nos comover em seu apoio. O sofrimento alheio nos causa risos se não for a partir de uma dor que nos toca diretamente. Como podemos, por exemplo, cobrar identificação do povo com sua seleção, se sequer conseguimos saber o nome dos jogadores que estão em campo, já que vão embora cedo do país, buscando melhores condições de vida? Não podemos garantir boas condições de vida e cobramos amor à camisa? E eis que, diante desse cenário, fui cobrado por algumas pessoas por não manifestar nas redes sociais a minha torcida pelo Brasil no jogo das eliminatórias contra o Peru nessa última semana. Disseram-me que não sou patriota.

Ora, não vou aqui justificar realidades e sentimentos pessoais para defender-me de um ataque que sequer me incomoda, vindo sobretudo de pessoas que nem mesmo sabem o significado do que dizem. Venho, no entanto, pensar com você, caro leitor, cara leitora, por que não torcemos mais para a seleção brasileira? Por que eu sei... não sou somente eu que perdi a vontade de passar a noite em frente à TV, torcendo por um gol da Canarinho.

Lembro-me que minha história com a seleção brasileira de futebol masculina começou em 1990, quando eu era uma criança e o Brasil entrava em campo pela Copa do Mundo. Os vizinhos e vizinhas da minha rua se movimentaram em um dia feliz para pintar e decorar as casas e o asfalto. Um dia de festa que me levou a uma identificação. Eu não sabia muito bem o que aquilo tudo significava, confesso, por isso afirmo que me identifiquei foi com o que me fez feliz. Eu gostava era de me sentir feliz. Confesso também, por exemplo (e dessa vez com pesar), que adorei o gol de Cláudio Caniggia depois de um passe fantástico de Maradona, advento que eliminou nossa seleção daquela competição, o que para mim não significava nada. Identifiquei-me naquele momento com a seleção dos Hermanos, pois me agradavam os cabelos longos da dupla argentina que sinalizavam rebeldia naqueles tempos, coisa essa que a juventude adora. Eu queria era ter cabelos compridos também.

Em 1994 Romário “fez chover” e nós sentíamos orgulho da vibração do baixinho. O mesmo aconteceu em 2002, quando Ronaldo vencia os desafios de lesões e trazia para nós o Penta. Mas algo aconteceu nesse caminho até aqui, quase 20 anos depois. Pelas ruas vejo se multiplicarem camisetas de times europeus, alguns que nem mesmo conheço, mas que jovens amam devido ao sucesso dos jogos de vídeo game, por exemplo, em detrimento a de clubes brasileiros que não dizem nada à juventude. Identificação. Vai diminuindo o interesse por aquilo que cada vez menos nos representa.

O dia 7 de setembro de 2021, como herança e memória do 7 a 1 de 2014, provou que a camiseta amarela da seleção já não serve como identificação futebolística de uma nação, mas sim como visão política de somente uma parte dela que, mergulhada em pautas políticas que na maioria das vezes desconhece, veste cores da pátria para muitas vezes odiar os que pensam diferente, condenando assim o conceito básico da democracia, e relembrando o porquê no Mineirão, ao invés de nos unirmos, vaiamos e rimos daqueles que, naquele momento, nos representavam. E assim, observo o caminhar de nossos dias com alguma tristeza, me lembrando dos versos do poeta marginalizado do início do século XX, Augusto dos Anjos, que já naquela época percebia que “o Homem que, nesta terra miserável, mora entre feras, sente inevitável necessidade de também ser fera.”.

 

Mário Afonso Pontieri é professor de Literatura, jornalista esportivo e mais apaixonado pelo Brasil do que muitos de camiseta amarela se dizem.

Categoria:Crônicas

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Simone Paladino - 12/09/2021 09h13
Parabéns!!!