Esperança em meio à aridez
Esperança em meio à aridez
Em uma manhã de domingo, os
ventos sopravam o restante das folhas secas que caíram das árvores hibernadas pelo
inverno. O silêncio precedia as notícias que chegariam do Oriente. Ao passar os
olhos pelas manchetes dos principais diários online, as informações davam conta
de que após 20 anos, o grupo extremista islâmico Talibã retomava ao poder no
Afeganistão.
A saída das tropas americanas do
país foi o estopim para a ocupação territorial dos radicais, que tomaram a
capital Cabul e proclamaram o Emirado Islâmico do Afeganistão. Nascido durante
a Guerra Fria, o Talibã ganhou força pelos financiamentos e treinamentos
proporcionados pelos EUA, que por interesses geopolíticos, fortaleceram
milicias para conter o avanço Soviético na região. O império Ocidental havia
criado o monstro em um território conhecido como cemitério dos impérios.
Com uma geografia muito
particular, localizado na Ásia Central, o território afegão é formado por
montanhas, planaltos e desertos. A impressão de um país árido, torna a paisagem
empoeirada e seca ainda mais densa em um país marcado pela miséria.
Colônia inglesa no século XIX e
início do século XX, foi ocupado pelos soviéticos durante a Guerra Fria e no
início do século XXI invadido pelos EUA, na “Guerra contra o terror”, iniciada
com o pretexto de ser uma resposta aos ataques terroristas às Torres Gêmeas, ocorrida
na ilha de Manhattan em 11 de setembro de 2001.
Como em uma máquina do tempo, as
notícias dos telejornais em 2021 retrocederam para ano de 2001, quando os EUA
invadiram o Afeganistão e ocuparam o território, retirando do poder o agora
inimigo íntimo Talibã. A falácia americana
de levar democracia ao povo afegão, se limitava ao claro interesse da captura
de Osama Bin Laden, líder terrorista da Al-Qaeda, grupo que reivindicou o maior
ataque terrorista da história do Ocidente. Escondido nas montanhas Afegãs, Bin
Laden era o troféu que os EUA queriam para diminuir a sede de vingança.
O Talibã governava o Afeganistão
com mão de ferro desde a década de 1990, quando assumiu o poder depois das
disputas ocorridas após a retirada das tropas Soviéticas, em 1989. O extremismo
religioso passou a ser uma regra no país, aplicado por uma constituição baseada
em uma leitura radical e, quiçá, distorcida, de algumas leis sagradas
islâmicas, conhecidas como Sharia, representadas por um conjunto de normas e
orientações que restringem a participação política e impõem um forte moral de
costumes, principalmente para as mulheres, que são impedidas, por exemplo, de
estudar.
Com a invasão americana e a
promessa de democracia, o Afeganistão ficou relegado no noticiário
internacional. Esquecido como um livro empoeirado, as mazelas sociais
continuavam acontecendo, com governos frágeis e fantoches dos EUA. Depois de
duas décadas escanteado, o país voltou ao cenário geopolítico internacional
após o anúncio da retirada das tropas americanas. Como um barril de pólvora
detonado, o Talibã se espalhou pelo território afegão, retomando cidades
importantes e, em menos de uma semana, a capital Cabul já estava sob o domínio
dos radicais, que ocuparam o palácio presidencial, onde encontraram a cadeira
vazia, após a fuga do então presidente afegão para o país vizinho, Tadjiquistão.
O medo dos afegãos apresentou para
o mundo cenas caóticas que serão lembradas para sempre. O aeroporto da capital
foi tomado por milhares de pessoas tentando fugir em aviões militares
cargueiros dos EUA e de outros países aliados. Algumas pessoas, em um instinto
de sobrevivência, se abrigaram nos trens de pouso e portas dos aviões e entre
elas estava o jogador de futebol Zaki Anwari, de 19 anos, que fez parte da
seleção de base afegã. Anwari teve seu sonho de jogar futebol interrompido e
sua vida ceifada após cair do avião, a queda foi registrada em vídeo e imagens
que chocaram o mundo.
Em meio ao caos que não estanca,
a seleção feminina de futebol do Afeganistão fugiu do país em um voo oferecido
pelo governo australiano. A seleção masculina, atualmente na 153° do ranking da
FIFA, não joga no país há cerca de 18 anos, quando foram derrotados por 2x0
pelo Turcomenistão, pelas eliminatórias da Copa de 2006, realizada na Alemanha.
Desde então, pela instabilidade política, econômica e principalmente de
segurança, a seleção afegã tornou-se nômade, realizando seus jogos em países
vizinhos.
A história afegã está
condicionada à imposição de radicalismos, ora esmaltado com verniz democrático,
ora pelo radicalismo religioso e nem mesmo o futebol, esporte de paixão popular
consegue enfrentar a estupidez das guerras.
O cenário nebuloso para o futuro
do povo afegão não impede que os sonhos possam existir, a esperança, seja
através do futebol ou pelo movimento das mulheres reivindicando direitos e paz,
mesmo em tempos de sombras, será sempre o combustível para dissipar o vento
árido e quente que sopra sobre as cabeças dos quarenta milhões de afegãos.